terça-feira, 26 de abril de 2011

Utopia

Se não me engano, seu nome é Anita. Tem por volta de 17 anos e, só de olhar, dá pra perceber que mede mais do que 1,75. Tem origens europeias, o que talvez explique seus olhos cor de oceano. Seus cabelos parecem ser pintados por tinta vermelha, e não diferenciava muito das sardas em sua pele. Ela é modelo e quase sempre desfila para grifes bem conhecidas em eventos como SPFW ou Fashion Rio. Parece ser legal para a maioria das adolescentes, que dariam tudo e talvez até mais para estar em seu lugar. Ela sabia disso. Aliás, ela chegou onde sempre esperou chegar, mas isso não quer dizer que não existia nada mais que ela poderia e queria alcançar. Desta vez, sua batalha ia mais longe e talvez ela nunca chegará a sentir o gosto da vitória. O que está em jogo desta vez é a sua felicidade. -Não, ela nunca chegou a falar isso pra mim, mas seu olhar revelava tudo o que ela cismava em não dizer.- Seus olhos com uma aparência tão triste e cansada fazia com que lhe rendesse mais dinheiro. Parece que a indústria da moda gosta do que é sofrido. Parece que tristeza virou moda. Mas aquele olhar tão distante não era mais um meio para ganhar status, mas sim a marca de tantas coisas que ela passou para chegar até lá.
Ela sempre foi muito reservada e calada. Seus olhos sempre foram grandes, sem contar com a cor, sempre chamaram a atenção. Seus pais se separaram por volta de seus 5 anos e desde então, Anita nunca mais viu seu pai. Essa perda, essa falta, esse pedaço arrancado sempre foi um dos grandes motivos de sua introversão e de sua complexidade. Aos 10, começou a ser vítima de Bullying no colégio. Motivos? Por ser magra demais e ter um rosto todo "manchado e estranho" (definição que davam as suas sardas). Inventavam apelidos maldosos, e sempre quando se pegava distraída, faziam algo a ela. -Maldita fase em que as crianças se acham grandes e começam a se ligar naquilo que se chama padrão de beleza. É por volta daí que se começa a incansável busca por perfeição. - Ela fingia não se importar, mas sempre quando chegava em casa, se pegava chorando e abafando o som com música alta. Aos 13 anos, começou a perceber que ser magra não era assim tão ruim e resolveu tirar algumas fotos e mandar para vários estúdios. Ela queria ser descoberta. Agora ela tinha um sonho. Ser modelo, uma top model. Ela não conseguiu resposta. Não até completar 15 anos e começar a participar de desfiles, fazer umas fotos e umas participações em comerciais. Mas com o passar do tempo, suas propostas eram mais sérias e convites para sua maior visibilidade começaram a surgir. E então, ela se deparou com um problema. Ela tinha amadurecido, e seu corpo começou a ter curvas, não tinha mais aquele corpo de criança, ou seja, seu peso havia aumentado. Ela buscava algo que lhe desse resultados imediatos. Dieta demora muito, remédios para emagrecer custam dinheiro. Então, ela resolveu não comer. Ela dizia que havia comido, só para não oferecerem comida. E se sua mãe obrigasse-a a comer, ela comia e vomitava depois. Aos poucos, ela foi emagrecendo, mas se sentia cada dia mais fraca. Ao se olhar no espelho, não conseguia ver nada mais do que uma gorda de bunda grande. E era este o estímulo para dar continuação à doença. Anita estava anêmica. As coisas só pioravam, chegou a ser internada algumas vezes, mas sempre quando ganhava alta, voltava ao que era antes. Não era mais por desejo de estar magra e sim por necessidade, aquilo havia se tornado um vício. Não comer fazia parte de sua rotina. E sem contar, que ela tinha medo de que ao voltar a comer, ela engordasse e perdesse tudo o que tinha conquistado. Anita é escrava da moda, da beleza e da perfeição imposta pela sociedade e pela mídia, ela tinha virado uma boneca nas mãos "deles". Ela sofre de anorexia e bulimia. Ela sofre daquilo que chamamos de insegurança. E lhe falta muito, mas muito, amor-próprio.
E lá está Anita. Desfilando em uma passarela para alguma grife. Desta vez em Paris. Sua aparência é de tanta determinação, de atitude e confiança. Mal sabem o que seus olhos escondem. Mal sabem o quanto ela sofre pela sociedade fútil e cruel na qual vivemos. Afinal, como poderiam saber? Ela vive de aparência. Tudo muito superficial. Ela ficou conhecida, como queria. Mas não reconhecida por quem ela é. Ela jogou fora as oportunidades de mostrar ao mundo o que ela realmente é, e o que ela tem a dizer. Porque nem ela mesma sabe o que ela é. -Bonito seu sorriso, Anita. Bem sexy.


Texto escrito com base em um dos temas do Bloínquês dessa semana: Padrão de Beleza.

4 comentários:

  1. Amo o jeito que descreve a carreira e a vida dela, de um jeito tão delicado, e ao mesmo tempo agressivo e crítico aos padrões da moda, e com a falta de amor próprio,insegurança, e o jeito que a mídia transforma ela em uma boneca.Nem tudo atrás de um olhar é o que parece, as vezes um olhar bem distante e feliz, pode esconder feridas que não saram mais. Mais um texto perfeito, sua bobinha. *-*

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  2. Fê, eu fiz uma propagandinha sobre o seu blog no meu... Tudo bem?
    Olha lá, eu só falei bem. sauhsuhaa
    http://gabimatera.blogspot.com/2011/04/ao-abrir-janela-blog.html
    Beijos amiga.
    Gabi.

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  3. Meu Deus, mas que honra, amiga! Muito obrigada.

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