segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Selvagem. 
Assim era Alice. Menina do nome suave. Doce. 
Ela era selvagem, porém suave como seu nome. Quase não tinha medos, e o único que tinha era de um dia perder sua personalidade por algum beco escuro dessa vida. Mas disso, todos que a conheciam sabiam muito bem que ela nunca perderia. E seria sempre assim. 
A conheci por aí, andando como quem acabou de chegar num lugar onde nunca esteve. Mas ela tinha uma certeza tão clara no olhar, que eu tinha ciência que, por mais "estranha" que ela estivesse, ela não se perderia. Seus cabelos estavam soltos. E de longe, parecia um leão que escapou de um zoológico e anda livremente pela cidade. Aquele loiro que só é dessa cor por causa do sol, porque na verdade é um castanho claro. Naquele dia, ela usava um vestido longo, verde e estampado. O vento batia, e o cabelo se espalhava, e o vestido levantava. Algo naquela menina me despertava um interesse que nunca mais tinha sentido desde o meu passado relacionamento fracassado. Ela não tinha nada parecido com nenhuma das meninas com quem eu tinha me relacionado antes, e isso era fantástico. 
Eu, vestido da maneira mais formal possível, após sair do meu escritório no Centro, naquele inferno... "Talvez eu deva chamá-la pra tomar um café ou talvez comer uma pizza". Ela parou numa lanchonete.
-Deseja alguma coisa? - Tomei coragem e falei. 
Ela me olhou de cima a baixo e deu uma risada tão delicada e sincera, que... -E você trabalha aqui, é? 
-Na verdade, não. 
-Então o que te interessa saber o que eu desejo? - Ela perguntou com a mesma fisionomia risonha e desafiadora de antes. 
-Porque... talvez eu possa lhe oferecer alguma coisa.
-Legal! Eu aceito. 
-Um café? Um suco? Um pão de queijo? 
-Um guaraná natural serve. 
-Ótimo! 
E, logo começamos a conversar sobre o que fazíamos da vida. Eu não entendi muito bem o que ela fazia, parecia ser nômade ou cigana. Não! Ela trabalha com Artes. Na praça, talvez. Não, na praia. Hã? Não entendo nada que ela diz. Ela fala muito, e eu não consigo prestar atenção em nada mais além daqueles olhos penetrantes. Ela parece ter o sol nela. Cheia de vida. 
Ficamos por muito tempo naquela mesa, até que, subitamente, ela para e fala:
-Eu vou embora.
-Mas já?
-Claro! Já deu minha hora.
-Ah, tudo bem. Foi um grande prazer te conhecer.
-Sim, concordo. Que o universo lhe reserve coisas maravilhosas.
-Universo?
-É. Poxa, eu esqueci de te falar sobre o que eu penso do universo. Mas não tem problema. Nos vemos amanhã. 
-Será maravilhoso. Posso anotar seu número de celular? 
-Poderia. Mas eu não gosto dessas tecnologias. Não tenho celular. Mas eu apareço aqui amanhã às 18 horas. Pode ser?
-Pode.
E assim, da forma mais estranha possível, nós mantínhamos um contato. Me senti vivendo em uma realidade paralela, e às vezes eu me pegava imaginando se aquilo realmente estava acontecendo. Eu me sentia tão em paz com ela. Aquelas viagens que ela fazia, aqueles planos que ela dizia, aquelas ideias loucas que eu sempre quis ter e, ela era, de fato, muito criativa. Nunca me sentia entendiado quando estava com ela. Vez ou outra ela me enfiava no meio de uma floresta qualquer, onde tinha umas cachoeiras e uns riachos que nunca tinha visto na vida. E ela parecia conhecer tudo aquilo como a palma da mão. E eu me sentia livre. Me sentia selvagem. Como um tigre ou um macaco, talvez. Às vezes eu a levava ao cinema para comer pipoca. Nós fomos felizes. Realmente. Até que numa tarde de sábado, no mês de agosto, ela chegou com uma saia longa azul e uma blusa simples branca. 
-Sabe, vou embora.
-Nos vemos amanhã, então?
-Não, você não entendeu. Eu vou embora mesmo.
-Pra onde?
-Não sei. Talvez eu vá pro Hawaii, eu procurei algumas coisas de lá e eu gostei das praias, parece ser divertido surfar por lá. - Ela falou com um brilho no olhar.
-Mas... 
-Se bem que eu acho que eu vou pra Índia, eu gosto mesmo de lá. Não sei porque, mas eu gosto. Ou vou pra Austrália, me disseram que lá tem canguru. E eu nunca vi um. - Ela abriu um daqueles sorrisos lindos dela.
-Você está falando sério?
-É, acho que sim. Legal, né?
-E eu? E nós?
-Ué. Você continua sendo você. Eu continuo sendo eu. E nós continuamos sendo nós. Certo?
-É... Então você vai embora mesmo?
-Sim. Fiquei aqui por muito tempo. Eu preciso sair dessa cidade grande. Não combina comigo, entende?
-E você vai ficar sempre indo de um lado pra outro?
-É. Como um macaco, que vai de árvore em árvore. Deve ser chato permanecer num lugar só, tendo milhões de oportunidades por aí afora.
-Certo... 
-O universo vai te reservar coisas boas. Já lhe disse isso várias vezes.
-Eu não ligo pra universo. Eu ligo pra você.
-Como não? O universo é uma coisa linda! Você realmente não sabe do que está falando. 
-Tá bom, então vou casar com o universo.
-Não se casa com o universo, seu bobo!
-Nem contigo?
-Comigo também não. Eu quero ser livre. 
-Então... vou sentir saudades. Muitas. - Eu disse enquanto tentava segurar as lágrimas.
-Por que você se apega tanto assim?
-Porque eu tenho sentimentos.
-Eu também tenho. Mas eu não acredito nisso de posse. Ninguém pertence a ninguém. Nós devemos nos sentir livres. 
-Só peço para que não se esqueça. De nada.
-Posso ser esquecida com muitas coisas, mas eu costumo guardar boas lembranças. Traz bons sentimentos. - Ela sorriu e me deu um beijo. - Estou indo então. Foi bom. Foi tudo muito bom! 
-Aposto que sim. 
E então, ela se foi. 
Nunca mais a vi, não sei onde ela está. Se está no Hawaii, na Índia, na Austrália ou na esquina. E isso me angustia um pouco, mas eu aprendi que devemos ser leves e livres. Então que ela seja assim. Uma eterna folha ao vento. Um pássaro. Uma eterna criança. De mágoas não guardei nenhuma, mas guardei todas as lembranças boas de nós dois. E eu espero, que de uma forma ou de outra, ela se lembre de mim. 
Alice. 
Doce.
Suave.
Selvagem.

2 comentários:

  1. E mais uma vez vc me surpreendeu e me emocionou com apenas um texto *--* Adoro o jeito que você consegue transformar simples palavras em sentimentos tão reais e sinceros! Espero que vc NUNCA pare de escrever e mal posso esperar para comprar seu primeiro livro :)

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  2. Ah, que lindeza! Muito obrigada, sério mesmo. Eu fico realmente feliz quando alguém elogia o que eu escrevo e nunca sei como agradecer à altura.
    E pode deixar que você lerá o meu livro. Se eu o publicar, claro. <3<3<3

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